Uma Nova Era da Globalização?

O historiador e jornalista britânico Max Hastings – um dos mais consagrados especialistas nas duas Guerras Mundiais, num momento de franca honestidade, uma vez disse que de vez em quando é necessário uma guerra para mudar o mundo ou o pensamento humano, porque só assim evoluímos – na época ele foi um pouco (bastante) criticado, mas… eis aí a nossa guerra, uma guerra mundial contra um vírus que até então desconhecíamos e está mudando hábitos, comportamentos e o modo como trabalhamos e nos relacionamos. Cientistas, governantes, empresários do mundo todo estão agora sendo obrigados a repensar a forma como sobreviver, não ainda como seres humanos, mas como seres sociais e econômicos, como empresas e como vamos nos adaptar a este novo modelo caso esta pandemia não seja passageira, e mesmo que seja, a porta das oportunidades e adaptações foi aberta e o conforto e falta de planejamento está sendo cobrada, e….para quem não for ágil, não vai se adaptar e vai entrar em extinção. Então, será o coronavírus o evento global de uma nova era de gestão empresarial, econômica e do mercado?

O coronavírus, para muitas empresas está acelerando projetos que a muito caminhava em passos lentos pois eram considerados não prioritários ou reles contingência, e geralmente não gastamos tempo e dinheiro com contingências, mas ok, entramos em contingência e o pessoal teve que ir para casa, quem vai fazer o projeto?

Aqueles que saíram na frente tem uma vantagem competitiva pois inovaram enquanto outros, muitas vezes até com descrédito ou escárnio, excesso de excelência e inovação e desprezavam suas ações justificando o porquê não fazer igual. Olha o exemplo da Amazon, uma das empresas mais inovadoras e incansáveis de se reinventar no mundo (prova que a melhoria continua realmente existe), notícia de 17 de março de 2020: O serviço Prime, da Amazon, sempre foi sinônimo de rapidez de entrega nos Estados Unidos. Em um ou dois dias, o consumidor recebia em sua casa o produto comprado no site da empresa. Agora, a entrega está demorando até quatro dias. E o culpado é: o coronavírus. Enquanto outras empresas do varejo estão fechando lojas ao redor do mundo, a Amazon reage contratando 100 mil pessoas e aumentando os salários. Esperteza? Não, mas visão, planejamento, uma estrutura simplificada, padronizada e automatizada e uma cadeia de parceiros já desenvolvida e comprometida de longo prazo. Isto não foi criado da noite para o dia, mas é fruto de uma evolução ou maturação de um negócio que desde cedo procurou entender o porquê e como trabalhar seu processo operacional e expandir essa excelência para seus parceiros na cadeia de valor e conseguir se manter e, num momento de crise global crescer de maneira muito estruturada. Importante: as vagas foram abertas nos centros de distribuição e na rede de entrega nos EUA e Europa. Não houve notícias de contratação para o BackOffice…

Alguns exemplos benemerentes também encontramos na indústria da saúde, alguns hospitais já a algum tempo buscam trabalhar o Home Care, ainda porque eles conhecem bem o que pode acontecer dentro de seus próprios ambientes hospitalares. Acompanhamos algumas dessas instituições: revisaram seus processos e procedimentos, readequaram sua tecnologia, capacitaram sua equipe. Construíram centros de monitoramento, contratam equipamentos de monitoramento remoto (uso de tecnologia Industria 4.0) melhoraram sua malha logística para um pronto atendimento e melhoraram seu corpo de enfermagem para um pronto atendimento eficiente baseado nos indicadores de monitoramento. Tradução viverão a verdadeira transformação digital e agora estão mais preparados para o atual inconveniente, mas certamente possuem uma vantagem competitiva perante outros. Mas também tiveram que arrumar a casa e prepara-la para o novo ambiente digital, integrado e analítico.

Em outros países o setor público a muito tempo digitalizou seus cadastros, unificou suas bases (interoperabilizaram) e habilitou o governo eletrônico, toda requisição é feita em portais de atendimento que concentram vários órgãos como grandes centros de serviços públicos. Estes países previram o que iriam acontecer ou simplesmente seguiram as boas práticas do setor privado? Estes com um profissional público, requalificado, desempenhando papeis de reguladores, analistas que buscam melhorar os serviços aos seus cidadãos. Enquanto outros, durante a crise, estavam com os órgãos e departamentos cheio de funcionários com funções de processamento transacional que estão recebendo dispensa, paralisando o serviço ao cidadão. Este é o exemplo da comparação da boa e da não eficiente gestão pública.

Após ler em uma matéria internacional, ao final de fevereiro deste ano, que “os CSCs iram ou poderiam caminhar para “apagar suas luzes”, resolvi me contrapor aos profetas do apocalipse com uma pesquisa, não nacional, mesmo sabendo que aqui no Brasil é de longe o país na América Latina que mais adotou o modelo CSC, mas sim por balizada em uma pesquisa internacional, também para entender como estariam nossos CSCs frente aos outros países, até para gerar uma comparação de maturidade e me dar uma perspectiva mais abrangente. Por vivermos desde de 2014 numa crise financeira e ética, que faz com que o mercado se desenvolva mais lentamente, fiz a análise me baseando em informações e referências internacionais, buscando como uma das fontes o Analytics do SSON do qual sou associado e estudos do MIT/SLOAN e observei que embora somos bem desenvolvidos números de CSCs, não somos em maturidade, mas a culpa não é da crise. Daí compartilhei com vocês o Caderno de Tendências e Previsões para serviços Compartilhados e aproveitei, para até responder, como sempre, aqueles que acham que CSC é passageiro, mas que na verdade estamos entrando numa nova geração de CSCs, a das plataformas de serviços digitais, mas para isso, o CSC também deve estar preparado.

Embora seja muito cedo para dizer se o coronavírus terá um impacto duradouro na maneira como consumimos e fornecemos serviços corporativos, já podemos sentir e ver algumas mudanças na maneira como operamos e seus impactos em nosso dia a dia pessoal e das organizações.

Tanto as empresas quanto os fornecedores terceirizados cancelaram totalmente ou forneceram avisos sobre viagens internacionais, com alertas sobre os cuidados cada vez maiores sobre viagens domésticas. As reuniões agendadas para vários meses estão sendo adiadas. Os planos de contingência estão elaborados emergencialmente e políticas de trabalho em casa estão sendo desenvolvidas já com os profissionais em casa. As equipes estão aprendendo a utilizar a tecnologia de tele presença ainda desajeitada, mas estamos prontos para operar remotamente?

Mas nossa primeira doença moderna de âmbito global questionará a maneira como desenhamos nossos processos e operamos os serviços, os negócios corporativos, a tecnologia que suporta o negócio e pelos mais de 25 anos que o conceito de Serviços Compartilhados foi disseminado, aperfeiçoado e adaptado de uma simples centralização para redução de custos a um modelo de gestão que impacta na governança das organizações, com foco na eficiência operacional e no cliente e na adaptação continua para perenizar e sustentar negócios?

O que você acha? O Corona vírus vai impactar na evolução dos Serviços Compartilhados? – Pessoalmente, eu tenho certeza que sim, e será saudável. Àqueles que não seguiram as regras básicas de um CSC, ou terão que se adaptar rapidamente a elas ou não sobreviverão e para aqueles que seguem, terão a oportunidade ou desafio de evoluir ainda mais seu modelo.

Isso acelerará a tendências da mudança para o digital ou aumentará a ênfase no talento por gerar resultados através de produtos ou serviços remotamente? O nosso flerte com o futuro do trabalho finalmente se tornará real, resultando na implementação de programas reais que mudam a maneira como a empresa opera?

Infelizmente, a ameaça do coronavírus, diante das ações propostas para mitigá-lo, não liberou um “habeas corpus” para podermos sair por aí para processar as transações manuais e prestar serviços como estávamos acostumados a fazer. Embora as implicações e impactos dos atuais projetos de Transformação Digital que atualmente estão em operação não sejam tão óbvias quanto as indústrias de transporte e varejo, em apenas algumas semanas, já estamos enfrentando pelo menos três (e aumentando) desafios operacionais que podem afetar nossa capacidade de manter nossas operações:

1. Os princípios de planejamento de continuidade de negócios de ontem não são tão válidos.

Nem os funcionários e nem a infraestrutura tecnológica de muitas empresas estavam preparadas para trabalhar remotamente. Pedir aos funcionários sem equipamento, internet e espaço adequado para trabalhar em casa para atender clientes e processar transações remotamente de seus sistemas já está se mostrando difícil, dadas as preocupações de acesso e segurança não previstas ou planejadas pelas TIs das organizações;

2. Interrupção da cadeia de suprimentos afetando a produtividade da entrega.

Se a minha empresa não estava preparada para esta contingência, muito provavelmente minha cadeia de valor também não estava, pois elas têm que trabalhar integradas e em conformidade com acordos de serviços e devem operar sincronizadamente. O plano de um faz parte do plano do outro. A falta de contingência de um desbalanceia a cadeia inteira;

3. Solução de problemas abaixo do ideal.

Embora tenhamos descoberto uma maneira de trabalhar remotamente, continuamos fortemente dependentes de interações cara a cara para a tomada de decisões estratégicas com nossos clientes e colegas. Por mais que estamos acostumados com aplicativos sociais e de comunicação rápida por Apps, decisões estratégicas ainda requer a távola redonda;

Então e agora?  Embora nossas bolas de cristal ou AIs ainda não estejam nos dando respostas, podemos apostar em algumas tendências em potencial para se pensar:

  1. A morte dos silos departamentais, as empresas precisarão que seus produtos sejam entregues no prazo, na qualidade, na especificação do cliente, com a devida e correta abordagem na criação de equipes ágeis e fluidas com processos ponta-a-ponta;
  2. A valorização das competências, relatórios e powerpoint não fazem sua empresa evoluir, é necessário arregaçar a manga e pisar na lama. Só assim o caminhão corporação vai sair da estagnação gerado pelo atual “evento global”;
  3. Forme Parceiros de Negócios para compor sua cadeia de valor. Nos últimos anos, as empresas vêm repensando suas estratégias de terceirização. Precisamos compromissar “os terceiros” com os SLAs e precificação com os compromissos que temos com nossos clientes, desculpas e filas não são mais justificativas para atrasos na entrega de seus serviços, outros concorrentes não atrasarão;
  4. A automação dos processos (agora de verdade), especialmente para trabalhos transacionais e repetitivos que já deveriam estar automatizados se os processos tivessem sido pensados ponta-a-ponta, simplificados, padronizados e automatizados corretamente;
  5. A transformação do profissional do futuro já – mude do Keep Walking (continue andando) para o Enable Johnnie (ative o “Joãozinho”). O profissional do futuro terá que desenvolver conhecimentos, habilidades e atitudes analíticas, de atendimento e de interacionamento, então comece a formar seus talentos;
  6. A verdadeira eficiência: o profissional será medido não por horas trabalhadas, mas pelos seus resultados. Com a possibilidade do aumento do trabalho remoto, a medição do trabalho não poderá ser mais medida pelo cartão de ponto, mas sim pelos produtos, serviços, soluções e resultados que efetivamente trazem para a organização;
  7. A integração das cadeias de valores, até ontem vivíamos no “cada um tem o SLA do seu chamado”, agora o fluxo deve ser inteligente e integrado, os SLOs devem se comprometer e se integrar para que os SLAs realmente sejam atendidos, sem desculpas;
  8. Um planejando uma estratégia par a tempos de incertezas. Nenhum Big Data ou Analítico Cognitivo previu esta crise para tomada de decisão antecipada e tampouco pode predizer o que fazer, porque todos são movidos por dados do passado e por modelos estatísticos que agora estaria dando instruções sem nexo porque não há dados suficientes para decisão. A estratégia hoje tem que se alinhar à natureza fluida desse novo ambiente em transformação. Você deve entender, de fato, qual a estratégica, o caminho e o tempo, para adaptar seu atual modelo de governança, para se tornar flexível e ágil o suficiente, para ser capaz de mudar constantemente e se adaptar às condições externas e internas, mesmo que a aspiração de oferecer resultados favoráveis aos acionistas, neste momento, permaneçam incertas, mas o lado bom é que sua empresa esta se adaptando para perenizar.

Aquele historiador do início deste texto, pode até ter sido infeliz na sinceridade na frase naquele momento, mas com certeza ele acertou na parte do pensamento humano, vamos ter que evoluir, se adaptar, mais rápido do que esperado, porque é assim que evoluímos.

por Carlos Magalhães – Xcellence & Co.
carlos.magalhaes@xcellence.com.br