O COVID-19 é o Novo Normal, o Cisne Negro ou o Mundo VUCA?

Tenho lido e ouvido em webinars e de executivos que temos assessorado muito sobre os termos “ o novo normal” ou o Covid-19 é um Cisne Negro e, as vezes fico sem entender ou até responder, para não magoar, dependendo da interpretação ou do pensamento do indivíduo. Pois estes, como muitos outros já fazem parte dos jargões que as pessoas de negócio utilizam para justificar ou explicar, com “uma palavra” um significado ou um contexto que pode ser muito mais complexo que seu significado original, tornando assim a frase vazia.

Li em um artigo do MIT Sloan Management Review, de 16 de março de 2020, com o título “Is the Covid-19 Outbreak a Black Swan or the New Normal?” (O Surto do Covid-19 é um Cisne Negro ou o Novo Normal, em tradução livre). O termo “Black Swan” é uma referência ao livro “O Cisne Negro” (“The Black Swan”, em inglês) do matemático, estatístico e investidor, libanês-americano Nassim Nicholas Taleb, publicado em 2007. Ele chama de “cisnes negros” grandes acontecimentos que são inesperados e que trazem junto grandes consequências, boas ou ruins. Como exemplos, ele cita os ataques de 11 de setembro de 2001, a Primeira Guerra Mundial e a internet. O autor propõe que se pode beneficiar e até crescer com certos eventos imprevisíveis. Taleb teria feito sua fortuna com o crash de 1987 (Segunda-Feira Negra) e teria ganho dinheiro em outras crises posteriores.

Por que Cisne Negro? É uma analogia à antiga crença europeia de que os cisnes só existiam na cor branca, mas que foi quebrada no século XVII quando ingleses viram cisnes negros pela primeira vez na Austrália. O conceito central de Cisne Negro refere-se ao fato de que antes da descoberta da Austrália, acreditava-se que todos os cisnes eram brancos, afinal, ninguém nunca tinha visto um cisne da cor preta. No entanto, eles existem. Neste livro, um Cisne Negro é um evento que é raro, tem um impacto colossal na sociedade e é explicável, porém impossível de ser previsto apenas analisando o passado. Não era possível prever que o Cisne Negro existia, antes de ele ter sido visto pela primeira vez. Eventos raros como o primeiro Cisne Negro ocorrem com mais frequência do que imaginamos e nossas mentes são programadas para lidar com o que já vimos antes. No entanto, muitas vezes, eventos extremos ocorrem e têm grandes impactos. Nossa tendência de ignorá-los vem do fato de que as pessoas tendem a subestimar sua ignorância. Existe muita coisa que não sabemos, mas como se sentir ignorante é algo que não nos faz nos sentirmos bem com nós mesmos, nós tendemos a não considerar essa nossa característica. Nós criamos histórias onde elas não existem. Nós “inventamos” explicações de motivos pelos quais as coisas acontecem, afinal isso é muito mais prazeroso do que se sentir estúpido e ignorante quando algum imprevisto aparece. O conhecimento humano está constantemente crescendo e evoluindo e a abordagem dogmática que tendemos a tomar não faz sentido. Não podemos ter certeza das nossas crenças, pois elas nos tornam cegos para os conceitos que estão fora do que julgamos ser verdade.

Então Cisnes Negros são os eventos que causam grandes transformações cognitivas, sejam elas triviais ou enormes, como a destruição de um setor no mercado de ações ou uma crise política. Os efeitos podem afetar profundamente algumas pessoas e outras podem passar praticamente ilesas. O único jeito de se precaver destes impactos é a informação. Quanto mais ignorante você é, mais provável será que você seja surpreendido por um Cisne; quanto mais informado você é, menos provavelmente você será atingido. Façamos um paralelo desta história com nossa atual situação de pandemia do Covid-19: a higienização e o isolamento social definido pelos governos e autoridades de saúde pública alertaram, corretamente, que era preciso agir rapidamente (mas de maneira eficiente) para reduzir a transmissão em um período muito curto de tempo e assim isolá-lo, mas ignoraram que nunca deram atenção a situação da saúde pública assistencial e que boa parte da população não é atendido por infraestrutura em saneamento básico – logo aumento do número de casos, mortes e rede hospitalar pública em colapso. Já do lado corporativo, apesar dos investimentos e propaganda de grandes realizações e investimentos feitos durante os últimos anos em transformação digital nas organizações, ao chegar o momento de usar realmente uma plataforma digital ela não estava operacional. Apesar que, se todas as ações fossem feitas corretamente, ainda não seriam totalmente eficazes pois o ser humano ainda é parte chave da cadeia operacional, e sempre vai ser: Alguém já pensou se o caixa do supermercado e o farmacêutico estivessem fazendo home office? Se os coletores de resíduos parassem por uma semana? Bombeiros?

Já o Novo Normal é um termo em negócios e economia que se refere às condições financeiras após a crise financeira de 2007-2008 e as consequências da recessão global de 2008-2012. O termo já foi usado em vários outros contextos para sugerir que algo que antes era anormal se tornou comum. É termo muito utilizado pela consultoria McKinsey para questionar como será a aparência normal do mercado após uma crise.

O termo surgiu do contexto de advertir a crença de economistas e formuladores de políticas de que as economias industriais voltariam aos seus meios mais recentes após a crise financeira de 2007-2008. É cada vez mais claro que a atual crise é fundamentalmente diferente das recessões das últimas décadas. Estamos passando não apenas por outra reviravolta do ciclo de negócios, mas por uma reestruturação da ordem econômica e social.

Para muitas empresas, sobreviver no curto prazo é o único item da agenda, para outras, mais alavancados financeiramente, estão buscando explicações e tentando olhar através de uma neblina da incerteza, pensando em como se posicionar depois que a crise passar e as coisas voltarem ao normal. Então vem a grande pergunta: “Como será o novo normal?”. Embora alguns já estimem e se arriscam a dizer quanto tempo durará a crise e como será o novo mercado, o que encontraremos de fato não parecerá o normal dos últimos anos. O novo normal será moldado por uma confluência de vários fatores, algumas surgindo diretamente de um aumento da crise financeira que em muitos países, e estamos incluídos nela, e outras que já existiam, mas eram encobertas como fatores culturais e de gestão nas organizações, questões sociais, políticas, educacionais na sociedade que daria sustentabilidade para um novo tipo de mercado de trabalho, requerido por um novo profissional qualificado em um ambiente tecnológico em transição – agora verdadeiramente em transformação digital.

Tenho lido também que no novo normal, as relações logísticas globais mudarão, causadas pelo COVID-19, que haveria menos transações comerciais entre países, particularmente não acredito nisso, acho falta de visão destes analistas. O mundo está se reinventando, as relações comerciais vão se reinventar, o meio de consumo vai mudar, mas os produtos têm que chegar ao consumidor, seja lá onde ele for produzido, então processos serão revistos e inovados para garantir a não propagação do COVID-19 e agora de qualquer outro vírus… pois esta lição está sendo aprendida. Os países e as empresas que buscam rápidas taxas de crescimento e consumo vão procurar cada vez mais a Ásia. Os fatores fundamentais do crescimento asiático – ganhos de produtividade, adoção de tecnologia e mudanças culturais e institucionais – não pararam como consequência da crise, só entraram em stand-by. A grande dúvida é se a tentação de culpar os problemas ao estilo ocidental pelos problemas atuais levará a reações contrárias e políticas econômicas autodestrutivas. Se isso for refletido, o centro de gravidade econômico do mundo continuará a apontar para o leste. Acho muito irônico a proliferação de especulações sobre uma ordem mundial em mudança do tipo “a China dominando o Ocidente”. Que medo é esse?  A intervenção e influência estrangeira tem sido muito real para nós e muitos outros países, seja pela China, Estados Unidos, Reino Unido, França ou qualquer outra potência colonial ou geoeconômica há séculos.

Retornando ao conceito do Cisne Negro, ele sustenta que os acontecimentos têm três características principais: são imprevisíveis, causam grandes impactos e que são mais previsíveis do que realmente foram. Ou seja, querem tornar o evento um fato comum e diminuir o medo das pessoas, sua ansiedade e euforia em relação ao novo, ao desconhecido. Hum, seguindo o raciocínio: oportunidade para alguns, desgraça para muitos, então. Mas quanto aos impactos? Quantos deles são óbvios? Quantos governos e empresas já estavam preparados para esta fase de mudança? Como os negócios devem reagir à volatilidade e à incerteza do agora e do amanhã. Tudo isso considerando a complexidade que nós mesmos criamos? Como tomar decisões rápidas com informações e interesses tão ambíguos? Pergunto: Será que o novo normal acontecerá? Será que hoje, não buscamos o novo normal porque precisamos nos acomodar, pisar em solo firme, sentir-se confortáveis, estáveis?

Isto me parece mais com o entramos no Mundo VUCA. Eta ! – Complexo esse mundo de estratégias! Cheio de siglas e trocadilhos. O exército americano já usava a sigla VUCA para descrever a volatilidade (volatility), a incerteza (uncertainty), a complexidade (complexity) e a ambiguidade (ambiguity) nas diversas situações e contextos de guerra. O uso militar dessa sigla começou no final dos anos 90 para tratar das ferramentas e métodos necessários para fazer frente a um ambiente extremamente agressivo e desafiador após os atentados terroristas desde 2001, os contextos VUCA passaram a ser o novo “normal” no ambiente militar americano. O uso no mundo dos negócios é mais recente, começou a ser usado a partir de 2010, mas não difere do pensamento militar, afinal, o ambiente empresarial na atualidade também é agressivo, desafiador, competitivo e veloz, ou seja, esse também é o novo “normal” das organizações de qualquer natureza. É neste MU-VUCA (Mundo VUCA) que estamos vivendo. E, já que estamos inseridos nele, temos que nos reinventar e compreender para sobreviver dia após dia, enfrentando os diversos desafios e riscos que surgem inesperadamente, que requerem decisões intempestivas e ações inovadoras de um grupo de profissionais.

O conceito “mundo VUCA” (Volatility, Uncertainty, Complexity e Ambiguity) tem ganhado espaço no meio corporativo nos últimos anos. Seu significado traduz o que os profissionais, principalmente os que estão em posição de liderança, têm enfrentado no dia a dia das organizações: volátil, incerto, complexo e ambíguo. Diante dessa nova realidade e para que a organização possa perenizar e fazer suas operações fluírem, as pessoas e organizações precisam estar preparadas para lidar com situações que combinam uma ou mais dessas características ao mesmo tempo, tirando a gente de antigas zonas de conforto e criar um caminho mais consistente:

  • Para lidar com a volatilidade, precisamos de PROPÓSITO. Um propósito inspira um senso de urgência, possibilitando enxergar com mais clareza o caminho rumo a um objetivo compartilhado.
  • Para lidar com a incerteza, precisamos de VISÃO. Sem uma linha estratégica clara, a equipe não sabe para onde ir.
  • Para lidar com a complexidade, precisamos de AGILIDADE. “Não dá para fazer um processo único de trabalho que funciona para todo mundo”. Essa mentalidade precisa mudar. Ter um protagonismo maior das equipes para direcionar como elas vão se desenhar para fazer suas entregas. Isso exige uma capacidade muito grande de autorreflexão e autocrítica do time para entender o que funcionou e o que não funcionou.”
  • Para lidar com a ambiguidade, precisamos de COMUNICAÇÃO. Unidos por um propósito, inspirados por uma visão, times ágeis encaram a complexidade aprendendo cada vez mais a falar a mesma língua.

Se fômos resumir em uma palavra temos que nos tornar RESILIENTES, nosso modelo econômico é baseado em eficiência (embora poucos a executem na prática), na busca de formas mais rápidas e baratas de se fazer algo. Este é o modelo de eficácia, baseado em tempo e custo.

O momento é muito instável e sei que estamos muito preocupados, mas lamento dizer isso a você, mas o atual “novo normal” tem sido o “velho normal” de bilhões de pessoas de classes sociais muito baixa e, lamento dizer que ainda, por motivos de sexo, raça e religião em todo o mundo. – Não pode mais viajar para onde você quiser? Bem, a maioria da população nunca pôde viajar para qualquer lugar e as vezes, mesmo que quisesse. Também existe muita ansiedade em relação às crianças que perdem aula por causa das escolas e universidades fechadas. Bem, muitas crianças não tem acesso à educação pois não podem frequentar a escola, mesmo que exista uma aberta perto delas ou elas precisam abandonar a escola antes de se formar. O motivo: a pobreza, a desculpa: “eles não querem’.

Realmente há um sentimento de incerteza sobre o futuro, que não apenas assusta as pessoas, mas também as deixa esperançosas, convidando-as a imaginar o mundo de maneira diferente, a repensar os sistemas políticos, a economia, a trocar ideias com os outros, a debater nas mídias sociais e ler inúmeras análises do que poderia e deveria acontecer.

Espero que o mundo e cada um de nós tratem essa experiência como um alerta e cumpram as promessas de mudança. Devemos lembrar que estamos todos juntos nisso. O sistema político e econômico do Brasil e global precisa mudar; precisamos começar a investir em justiça social, igualdade e solidariedade. Esse deve ser o “novo normal” que procuramos estabelecer.

O coronavírus e a Teoria do Cisne Negro nos oferecem uma lição preciosa: embora o desconhecido nos desperte incertezas é preciso manter uma postura de cautela. Com informações confiáveis, podemos agir de maneira responsável, reduzindo os impactos da pandemia e coletando informações consistentes e verdadeiras sobre a sua evolução. Esse é o momento de empresas, gestores, autoridades públicas e cidadãos demonstrarem sua capacidade de agir pelo coletivo.

Uma coisa é certa: quando entrarmos no período pós-crise, o contexto social, empresarial e econômico não terá retornado ao seu estado pré-crise. Os executivos que prepararem suas organizações devem se concentrar no que mudou e no que permanece basicamente o mesmo para seus clientes, empresas e setores. O resultado será um ambiente que, embora diferente do passado, não é menos rico em oportunidade para quem estiver preparado.

por Carlos Magalhães – Xcellence & Co.
carlos.magalhaes@xcellence.com.br

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