O Respeito é Importante: Quando a Alma Humana se Perde nos Preconceitos

Por Carlos Magalhães

1. A condição humana e os paradoxos contemporâneos.

Aristóteles já afirmava que a racionalidade distingue a alma humana. Ele diferencia três partes da alma: a vegetativa (nutrição e crescimento), a sensitiva (percepção e movimento) e a racional (pensamento e intelecto), sendo esta última exclusiva dos seres humanos (De Anima, Livro II, cap. 3; Livro III). A racionalidade, portanto, deveria ser a força que nos guia para escolhas mais justas, equilibradas e sustentáveis.

No entanto, a história revela um paradoxo inquietante: apesar da inteligência e da capacidade reflexiva, continuamos a reproduzir injustiças, preconceitos e a própria destruição do planeta que habitamos. Muitos argumentam que “a humanidade ainda está em desenvolvimento”, mas essa explicação já não se sustenta. No ritmo acelerado das transformações culturais, sociais e tecnológicas, a persistência da intolerância e da desigualdade demonstra que nossa racionalidade nem sempre é usada como instrumento de progresso coletivo (Sennett, 2001; Bauman, 2001). Podemos concluir que, se esse ritmo se mantiver, não sobrará sociedade para conviver nem planeta para viver.

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2. O fenômeno “Pensar Cansa” e a fadiga cognitiva

No ambiente corporativo, a pandemia de COVID-19 escancarou fragilidades estruturais: crises de aprendizagem, escassez de talentos e resistência a práticas inclusivas. Esses fatores, quando não enfrentados, alimentam a fadiga cognitiva que Magalhães (2025) denomina “pensar cansa”.

O conceito descreve a acomodação cognitiva, intelectual e emocional desencadeada pelo excesso de informação, intensificada pela pressão por adaptação contínua e pela convivência com preconceitos estruturais. Essa fadiga compromete e restringe a capacidade crítica dos indivíduos, reduzindo sua disposição para o debate e para a construção de um aprendizado coletivo. Forma-se, assim, um círculo vicioso: profissionais sobrecarregados deixam de refletir de maneira profunda e passam a aceitar passivamente propostas de mudança — muitas vezes formuladas ou reforçadas por sistemas de inteligência artificial enviesados. Como consequência, a transformação organizacional não ocorre de forma sustentável e integrada, ainda que seja comunicada como inovadora e eficiente.


3. Diversidade corporativa como capital estratégico

3.1 Relevância organizacional

Diversidade organizacional não se resume a cumprimento de cotas. Trata-se de reconhecer, integrar e valorizar diferentes gêneros, raças, idades, orientações religiosas e origens socioeconômicas. Estudos comprovam que empresas diversas apresentam maior capacidade de inovação e de adaptação às mudanças (McKinsey & Company, 2020). A ONU (2020) ressalta que organizações com práticas inclusivas consistentes contribuem para reduzir desigualdades e aumentar a coesão social.

3.2 Etarismo: o preconceito invisível

Entre as diversas formas de discriminação corporativa, o preconceito etário merece destaque por ser multifacetado. O etarismo combina elementos de outros vieses: a desvalorização da experiência acumulada por gerações anteriores, a resistência cultural a estilos de liderança mais críticos e reflexivos, e os filtros automatizados da inteligência artificial que frequentemente excluem currículos de profissionais seniores sob a justificativa de “falta de fit”.

Dados da AARP (2022) demonstram que trabalhadores acima de 50 anos enfrentam maior dificuldade de recolocação, mesmo com qualificações equivalentes a profissionais mais jovens. Esse fenômeno, aliado à pressão por atualização digital, cria um paradoxo: ao mesmo tempo em que as organizações clamam por talentos escassos, descartam prematuramente profissionais que poderiam contribuir com visão sistêmica, experiência prática e capacidade de julgamento crítico.

4. Preconceito, crise de talentos e lacunas de aprendizagem

4.1 Preconceito institucional

Mesmo com políticas de DEI (Diversidade, Equidade e Inclusão), vieses inconscientes persistem, restringindo oportunidades. O Pew Research Center (2021) aponta que mais de 60% de profissionais negros relatam discriminação no trabalho. No Brasil, dados do IBGE (2022) confirmam que pessoas pretas e pardas recebem remuneração inferior a pessoas brancas em funções equivalentes.

4.2 Aprendizagem e transformação pós-pandemia

O Fórum Econômico Mundial (2022) prevê que até 2025 cerca de 45% dos profissionais necessitarão de requalificação. A pandemia acentuou desigualdades educacionais e expôs a carência de lideranças preparadas para contextos voláteis. Sem aprendizagem contínua, o preconceito ganha força, pois a ignorância alimenta estereótipos e exclusões.

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5. Vieses tecnológicos e a acomodação da TI

Além dos preconceitos sociais, a transformação digital trouxe consigo uma nova forma de acomodação: a dependência acrítica em relação à tecnologia. Sistemas de informação, plataformas digitais e, mais recentemente, algoritmos de inteligência artificial tendem a ser tratados como instrumentos neutros, quando na realidade carregam os vieses de seus programadores, das bases de dados utilizadas e dos contextos em que foram desenvolvidos (Cath et al., 2018).

Esse fenômeno gera o que denomino acomodação da TI: a aceitação passiva de soluções tecnológicas que prometem eficiência e inovação, mas que, na prática, podem reforçar desigualdades, excluir grupos e cristalizar preconceitos organizacionais. Quando profissionais e líderes abrem mão do pensamento crítico em prol da “automação inteligente”, correm o risco de validar decisões enviesadas sem perceber — desde recrutamento até análise de desempenho ou concessão de crédito.

A pesquisa de O’Neil (2016) sobre os chamados “Weapons of Math Destruction” evidencia como algoritmos mal desenhados podem amplificar injustiças sociais em larga escala. No contexto corporativo, isso se traduz na criação de modelos de governança frágeis, em que a tecnologia passa a ser uma justificativa para decisões questionáveis, mascaradas pelo discurso da inovação.

Assim, a fadiga cognitiva descrita como “pensar cansa” conecta-se diretamente à acomodação tecnológica: profissionais sobrecarregados deixam de questionar os sistemas, aceitam propostas pré-formatadas e, com isso, perpetuam processos que não são sustentáveis nem integrados, ainda que vendidos como “modernos” e “eficientes”.


6. Ética, inteligência artificial e inovação inclusiva

6.1 Inteligência Artificial e vieses

Algoritmos de IA, quando mal governados, reproduzem discriminações sociais pré-existentes. Casos emblemáticos incluem sistemas de recrutamento que penalizam mulheres e negros ou ferramentas financeiras que discriminam por CEP. Para enfrentar esse desafio, é necessário adotar modelos de governança que combinem transparência, auditoria e ética aplicada.

7. Recomendações: enfrentar a fadiga do pensar

A fadiga que denomino “pensar cansa” representa a exaustão diante de preconceitos persistentes e estruturas organizacionais rígidas. Para enfrentá-la, recomenda-se:

  1. Estrutura formal de mentoria inclusiva — conectar talentos diversos com lideranças.

  2. Programas de aprendizagem contínua — investir em educação corporativa e desenvolvimento de competências socioemocionais.

  3. Transparência em métricas de diversidade — publicar relatórios, realizar auditorias e fortalecer accountability.

  4. Governança ética de IA — prevenir vieses, garantindo justiça e inclusão em processos automatizados.

8. Considerações finais

Vivemos em uma era marcada pelo excesso de informação. Esse fenômeno, somado às transformações culturais, sociais, econômicas e tecnológicas em curso, paradoxalmente favorece também a emergência de preconceitos em múltiplas formas — sejam eles os já enraizados na história da humanidade ou aqueles que surgem como novos frutos da própria evolução humana.

O etarismo, talvez um dos mais atuais, revela-se como um mix de preconceitos perigosos à evolução do ser humano enquanto ser dotado de alma racional. Ele combina a desvalorização da experiência, a resistência ao pensamento crítico acumulado por gerações anteriores e a influência de vieses algorítmicos intensificados pela crescente dependência da inteligência artificial. Esse quadro reforça a urgência de repensar modelos de gestão de talentos, de relacionamentos e de aprendizagem, de modo a promover a valorização da convivência intergeracional como verdadeiro caminho para a evolução e a perenidade das organizações e da própria sociedade.

Portanto, a experiência organizacional e humana não se construiu — e não se construirá — por atalhos: ela é fruto da vivência, do erro e do acerto, da prática crítica e reflexiva, das discussões que possibilitam a co-criação e da coragem de revisar estruturas por meio da reengenharia e de outras formas de reinvenção. Em última instância, esses processos refletem o princípio de que a inovação não é um ato isolado do gênio criativo, mas o resultado de um esforço coletivo e contínuo de melhoria organizacional e social. Esse deveria ser o verdadeiro legado de nossa alma humana.

Não vou me arriscar discursar sobre para não polemizar ainda mais, mas vou pedir uma reflexão sobre a terceira com uma charge:



Referências

  • Barney, J. (1991). Firm resources and sustained competitive advantage. Journal of Management, 17(1), 99–120. https://doi.org/10.1177/014920639101700108

  • Barney, J. B., & Hesterly, W. S. (2011). Strategic management and competitive advantage: Concepts and cases (4th ed.). Upper Saddle River, NJ: Prentice Hall.

  • Bauman, Z. (2001). Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Zahar.

  • Carr, N. (2011). The shallows: What the internet is doing to our brains. New York: W.W. Norton.

  • Davenport, T. H. (1993). Process innovation: Reengineering work through information technology. Boston: Harvard Business School Press.

  • Hammer, M., & Champy, J. (1994). Reengineering the corporation: A manifesto for business revolution. New York: Harper Business.

  • Hammer, M., & Stanton, S. (1999). How process enterprises really work. Harvard Business Review, 77(6), 108–118.

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  • Johnson, S. (1999). Who moved my cheese? New York: Putnam.

  • Katzenbach, J. R., & Smith, D. K. (1993). The wisdom of teams: Creating the high-performance organization. Boston: Harvard Business School Press.

  • Kotter, J. P. (1996). Leading change. Boston: Harvard Business School Press.

  • Kotter, J. P. (2008). A sense of urgency. Boston: Harvard Business School Press.

  • Magalhães, C. (2018). Centro de serviços compartilhados: Estratégias para maximizar o valor de sua organização (2ª ed.). São Paulo: AllPrint Editora.

  • Magalhães, C. (2025). Pensar cansa: A era da IA e o declínio cognitivo [Ensaio]. Comunicação pessoal.

  • Marvel Studios. (2017). Guardians of the Galaxy Vol. 2 [Imagem promocional]. The Walt Disney Company. https://www.marvel.com/movies/guardians-of-the-galaxy-vol-2

  • McKinsey & Company. (2015). Why do most transformations fail? McKinsey Quarterly. https://www.mckinsey.com

  • Senge, P. M. (1990). The fifth discipline: The art and practice of the learning organization. New York: Doubleday.

  • Sennett, R. (2001). A corrosão do caráter: As consequências pessoais do trabalho no novo capitalismo. Rio de Janeiro: Record.

  • Teece, D. J., Pisano, G., & Shuen, A. (1997). Dynamic capabilities and strategic management. Strategic Management Journal, 18(7), 509–533. https://doi.org/10.1002/(SICI)1097-0266(199708)18:7<509::AID-SMJ882>3.0.CO;2-Z

  • World Bank Group. (2025). Global economic prospects. Washington, DC: World Bank. https://www.worldbank.org

     

    Apêndice – E se fôssemos nós os “visitados”?

     

    A humanidade investe bilhões em telescópios espaciais, sondas interplanetárias e programas de exploração para responder à pergunta: “Estamos sozinhos no universo?”. Mas pouco refletimos sobre a hipótese inversa: e se a vida em outros planetas realmente existisse, qual seria o julgamento deles ao nos observar?

     

    A figura abaixo ilustra uma provocação: personagens de uma civilização interestelar, ao avaliarem a Terra, decidem não nos visitar — não por falta de tecnologia, mas porque ainda não conseguimos superar preconceitos tão básicos quanto a cor da pele, a idade, a crença ou a origem social.

     

    Em outras palavras, buscamos contato com inteligências avançadas enquanto ainda falhamos em reconhecer a dignidade da diversidade entre nós. Esse contraste expõe um paradoxo profundo: não será a ciência que nos tornará dignos de conviver com outros mundos, mas a ética, a empatia e a maturidade social para conviver melhor no nosso próprio planeta.

Fonte da imagem: Marvel Studios, Guardians of the Galaxy Vol. 2 (2017).

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